“Sempre que vejo o mar, regresso a esse dia”
Andreia Costa teve o seu terceiro filho em janeiro de 2017 e, quatro meses depois, em maio, ao espremer uma borbulha no peito, detetou um pequeno caroço, “como se fosse uma areia”, explica.
Desde esse dia, até à confirmação de um diagnóstico de cancro, passaram três meses. O obstetra atribuiu esse pequeno nódulo a um ducto entupido de leite, derivado ao período de amamentação, afastando a possibilidade de cancro da mama.
Enfermeira de formação, Andreia Costa não ficou descansada: “Todos os dias eu via o nódulo a crescer. No final de julho, quando me olhava ao espelho, o nódulo já era visível”. Insatisfeita com o diagnóstico, dirigiu-se ao seu médico, em agosto desse mesmo ano, insistindo para que lhe passasse os exames. “Assim que fiz a mamografia vi na cara da técnica o meu diagnóstico. Eu conhecia-a. Trabalhei no hospital dos Lusíadas nove anos, tínhamos sido colegas”.
Fez a biopsia e foi para os Açores de férias com o marido e os três filhos. “No dia 29 de agosto, à noite, essa amiga ligou-me. Perguntou se os miúdos estavam já a dormir e disse que tinha ido buscar o resultado e que não era bom…”.
“Não ouvi mais nada, passei o telefone ao meu marido e fechei-me na varanda e chorei muito, não sei quanto tempo ali fiquei. Fica para sempre associado a este momento o som das ondas a bater que eu ouvia da varanda. Sempre que vejo o mar regresso a esse dia”
Tratava-se de um tumor agressivo, um carcinoma invasivo triplo negativo, por isso cada dia contava. Teria de voltar a Lisboa o mais depressa possível. “Não ouvi mais nada, passei o telefone ao meu marido e fechei-me na varanda e chorei muito, não sei quanto tempo ali fiquei. Fica para sempre associado a este momento o som das ondas a bater que eu ouvia da varanda. Sempre que vejo o mar, regresso a esse dia”.
“Naquele momento senti o meu mundo a desabar”, relembra. A sua maior angústia foram os seus filhos, o que eles iriam passar. “A minha mãe e o meu pai faleceram com cancro e eu já sabia o que aí vinha porque já tinha passado por isso enquanto filha. Nesse dia, tive muito medo de morrer”.
O marido conseguiu comprar viagens para o dia seguinte, para Lisboa. Três dias depois, Andreia estava a fazer os exames para estadiamento da doença e, na semana seguinte, a dar início ao ciclo de quimioterapia, o primeiro de dezasseis, que teria de fazer.
Durante todo o processo refletiu sobre o que a tinha levado até ali. “Eu, à luz da ciência, não teria fatores de risco: não bebia, não fumava, era vegetariana há anos, praticava exercício físico, amamentei os meus três filhos, fui mãe antes dos 30… mas houve de facto algo que falhou, e eu acredito que no pós-parto estive muito perto de ter uma depressão. Esta condição emocional, para mim, foi o gatilho que levou à falha do sistema”.
“Era como se, de repente, tivesse sido largada sozinha num deserto”
Durante todo o processo de tratamentos tentou manter-se ocupada, lia muitos livros sobre alimentação, praticava exercício físico diariamente e fez várias formações em áreas do seu interesse. Sentiu sempre o apoio da família e o caminho, para Andreia, era só um: curar-se.
Surpreendentemente, foi depois do tratamento que começou a sentir-se pior. “Era como se, de repente, tivesse sido largada sozinha num deserto”. O medo de ter uma recidiva e de voltar a encontrar-se com a doença apoderou-se dos seus pensamentos e, foi aí, que decidiu procurar ajuda e começar a fazer psicoterapia.
A viagem à Índia e a criação de um blog
O fim dos tratamentos abalou-a psicologicamente e Andreia Costa sentiu uma enorme necessidade de passar algum tempo sozinha. Decidiu partir para um retiro na Índia, onde conheceu outras mulheres com quem partilhou a sua história, dando-se conta de que o seu contributo poderia ser importante para outras pessoas ao explicar o que lhe tinha acontecido, mas sobretudo para si mesma, representando um ato terapêutico e de libertação.
Com a criação do blog “Let’s talk about cancro”, no qual partilha as suas vivências, Andreia pretende “partilhar a experiência como doente, filha de pais com cancro e profissional de saúde”. Enfermeira de formação (atualmente não está no ativo), acredita que “cada doente é um ser único e vive a doença de uma forma diferente”. Se puder “acrescentar alguma coisa, nem que ajude só uma pessoa, já valeu a pena”.
Hoje, Andreia Costa está livre da doença. Confessa que, após o diagnóstico, começou a viver de outra maneira, a colocar-se em primeiro lugar, acreditando no princípio de que “só se eu estiver bem é que consigo estar bem com os outros.”
Aos doentes e futuros doentes, deixa um conselho: “Eu acredito que nada acontece na nossa vida por acaso. Não tenham um papel passivo no vosso processo, questionem o que vos rodeia. Há muitas coisas que podemos fazer por nós, durante o processo dos tratamentos e após, quando nos largam no deserto”.
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